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DIALÉTICA JURÍDICA - Supremo tenta evitar que entendimento sobre alegações finais retroaja

Postado às 04h21 | 03 Out 2019

Pedro Canário

O Supremo Tribunal Federal vai discutir nesta quinta-feira (3/10) a quem se aplica a decisão de que réus delatados têm direito a falar depois dos delatores nos processos penais.

Por oito votos a três, os ministros decidiram adiar a definição da tese a ser aplicada ao caso. Com isso, transformaram um Habeas Corpus em um processo objetivo, mas evitaram chamar de modulação a “aplicação temporal” da tese a ser definida.

A tese foi proposta pelo ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo e último a votar. Depois que foram colhidos sete votos a favor de delatados apresentarem suas alegações finais depois de delatores, Toffoli propôs duas restrições à decisão:

1) Que ela só se aplique a quem reclamou da ordem das alegações finais na origem; e
2) A quem comprovar o dano causado pela desobediência da ordem.

Na prática, observou o ministro Ricardo Lewandowski, que compôs a corrente majoritária para o mérito, Toffoli propôs a modulação dos efeitos de uma decisão penal. Ele avisou que seriam necessários oito votos para que a tese de Toffoli seja aplicada, quando a discussão acontecer. É o que manda o artigo 27 da Lei das ADIs.

Mas Toffoli rebateu que não se tratava de modulação, mas apenas de uma orientação para as instâncias inferiores. “Ainda que se chame um gato de cachorro, ele não deixará de miar”, rebateu Lewandowski. Mas ficou vencido nessa parte. 

O presidente do Supremo se baseou no artigo 563 do Código de Processo Penal: “Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa”.

"É a transformação em lei do princípio do Direito Civil napoleônico pas de nulité sans grief, não há nulidade sem prejuízo em francês", conforme explica o constitucionalista Lenio Streck.

Ele dá razão a Lewandowski. Segundo Lenio, decisões em casos penais sempre retroagem para beneficiar o réu, por isso não poderia haver modulação quando a tese definida pelo STF é a favor do direito de defesa. 

“Só que o tribunal disse que não precisa modular, porque vai fazer só uma tese. E ao fazer só uma tese, o Supremo simplesmente estabelece aquilo que quer em termos de eficácia sem chamar de modulação. Estão dando uma volta nisso”, critica Streck.

Para um juiz que falou à ConJur sob condição anonimato, a decisão do STF não faz sentido. “Não há modulação para prejudicar o réu”, disse.

Segundo entendimento do criminalista Alberto Toron, "nos processos em que a arguição da nulidade se der já na própria fase das alegações finais, não haverá necessidade da demonstração do prejuízo dada a tempestividade do reclamo e a evidente quebra do devido processo legal".

Mas, nos demais casos: "Onde não se tenha arguido a nulidade tempestivamente, a invocação do prejuízo torna-se necessária. A decisão [do Supremo] parece razoável, mas enreda uma contradição. É que, na primeira hipótese, estamos diante de uma nulidade absoluta, que dispensa a prova do prejuízo. Já na segunda, este é exigido. Afinal, ou bem houve a nulidade pela quebra do contraditório e consequente cerceamento de defesa, ou bem não houve; e deveria haver um tratamento homogêneo da matéria para se evitar tratamentos desiguais".

"Parece ter havido uma solução de compromisso entre o respeito a princípios, de um lado, e, de outro, atenção às consequências da decisão. E, ao meu ver, com boa dose de justiça, pois, sem arguição oportuna, não se anulará o processo. O Tribunal [STF] andou bem, mas é bom dizer que a casuística imporá ao longo do tempo modificações aprimoradoras", finaliza

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