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Decisão de Trump ameaça democracia judaica em Israel

Postado às 05h01 | 19 Nov 2019

Guga Chacra

A mudança de posição dos Estados Unidos ao afirmar que os assentamentos na Cisjordânia não são ilegais elimina qualquer possibilidade de o atual governo americano ser visto como um árbitro neutro nas negociações entre israelenses e os palestinos. O processo de paz, no entanto, já estava praticamente morto independentemente de Washington. O maior impacto da decisão anunciada pelo secretário de Estado Mike Pompeo será o de escancarar um dilema sobre o futuro democrático e judaico de Israel.

Como sabemos, há uma tríade na qual não há como Israel ser uma nação judaica, democrática e ter todo o território, incluindo a Cisjordânia, ao mesmo tempo. Caso queira ser judaica e democrática, precisaria se retirar dos territórios reivindicados pelos palestinos para o estabelecimento de um futuro Estado. Esta era a política israelense e americana ao longo das últimas décadas. Embora não implementada por uma série de fatores, havia sempre a expectativa de negociações com os palestinos. Com o reconhecimento americano, esta possibilidade fica praticamente descartada.

Sobram agora as duas outras opções para Israel. Se quiser ser democrático e ter todo o território, precisará conceder cidadania para os cerca de 2,5 milhões de palestinos que vivem na Cisjordânia. Estes se somariam aos palestinos residentes em Jerusalém e aos árabes-israelenses — não aos palestinos da Faixa de Gaza, onde já houve retirada dos assentamentos, embora seja mantido um bloqueio aéreo, terrestre e marítimo coordenado com o Egito. O risco para Israel, neste caso, seria a perda da maioria judaica, inviabilizando muitos dos ideais sionistas, como a construção de uma pátria para os judeus. Mais grave, Estados binacionais são complicados. Sectários, ainda mais, como basta observar no vizinho Líbano.

A outra alternativa seria a de não conceder cidadania aos palestinos, deixando que eles tenham uma certa autonomia em suas cidades e algumas outras áreas. Na prática, não seria um país, mas um arquipélago de áreas não conectadas. Basicamente, 2,5 milhões de pessoas viveriam dentro de um país sem direitos civis e com dificuldades para circular. Não se trata de um fluxo de imigrantes ou refugiados. Sem a perspectiva de virem a ter um Estado, diferentemente do que ainda ocorre hoje, seriam habitantes de segunda classe, ou não cidadãos, do lugar onde nasceram, assim como seus antepassados. Resumindo, apátridas. Israel sofreria acusações de estar implementando um Apartheid contra esta população.

Alguns poderiam argumentar que outros povos, como os curdos, para ficar em um exemplo fácil, tampouco possuem um Estado. Mas os curdos são cidadãos da Turquia, Iraque, Irã e Síria. Sim, possuem direitos restringidos. E isso por si só já é grave. Estas nações, contudo, não são democráticas. Além disso, Israel, o mais democrático país do Oriente Médio, deveria de se comparar ao Canadá, Bélgica e Espanha, onde minorias possuem todos os direitos de cidadãos. Isto é, os catalães podem não ter um Estado independente, como muitos defendem em Barcelona, mas todos desfrutam da cidadania espanhola.

A atitude de Pompeo, que contou com o respaldo de Donald Trump, não visa a paz e tem como objetivo fortalecer a candidatura do presidente para reeleição com os eleitores evangélicos americanos alinhados com a direita israelense — a comunidade judaica dos EUA, mais liberal (progressista), vota em massa no Partido Democrata e grande parte repudiará a nova posição americana, já que são árduos defensores da solução de dois Estados. O líder americano e seu secretário de Estado também buscam dar um pouco de oxigênio para Benjamin Netanyahu, que pode ser indiciado a qualquer momento e talvez perca o cargo de premier se seu rival Benny Gantz conseguir formar um governo.

Para ficar claro, sou defensor de que os principais blocos de assentamentos próximos da linha verde que separa o território israelense do palestino, como Ma'ale Adumin, fiquem como parte de Israel, em troca de áreas que aproximem a Cisjordânia de Gaza. É onde vive a maioria dos colonos. Já os assentamentos localizados mais para dentro, como Ariel, poderiam ser parte do futuro Estado palestino, com seus cidadãos tendo direito à cidadania palestina. Outra opção seria a de se transformar em um enclave de Israel na Palestina.

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