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Como o coronavírus já transformou o ano eleitoral nos EUA

Postado às 06h42 | 30 Mar 2020

Agencias internacionais

Da Casa Branca até um tribunal de condado, a pandemia do coronavírus mudou de maneira drástica as eleições de 2020. Muitos líderes democratas questionam se a convenção do partido vai mesmo acontecer em julho, enquanto as determinação do presidente Donald Trump de realizar a convenção republicana, em agosto, pode colidir com realidades de vida ou morte.

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Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden relutam em realizar eventos públicos tão cedo, e podem evitar uma campanha de fato até o verão no hemisfério Norte. Assim como centenas de candidatos ao Congresso, às Assembleias estaduais e cargos locais, que sempre foram deixados de lado em anos de votações presidenciais — agora, estão sendo vistos como bons samaritanos, ajudando com compras e contratando pessoas recém-demitidas, em um esforço para manter a visibilidade e não parecerem insensíveis diante da crise.

O vírus transformou de maneira profunda a vida política nos EUA, afetando como os candidatos se comunicam com os eleitores, levantam dinheiro para suas campanhas e confrontam os oponentes. Agora, o país vai enfrentar a primeira campanha virtual de sua história, com o risco de contrair a doença separando fisicamente os candidatos das pessoas que eles buscam representar. E mesmo quando a eleição voltar às ferramentas tradicionais, ela ainda será profundamente única.

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A expansão do coronavírus, que matou 2 mil pessoas nos EUA e eliminou mais de 3 milhões de empregos, impulsionou a ameaça de saúde pública e a crise econômica para o topo das prioridades dos eleitores esse ano. Candidatos que buscam a reeleição, a começar por Trump, serão julgados sobre como se prepararam e conduziram o país durante uma crise que virou a vida de todos eleitores de cabeça para baixo.

— Essa é a questão que vai dominar a eleição, “como você se saiu na grande crise?” — afirmou o deputado republicano Tom Cole, que cancelou eventos para doadores e, ao invés disso, organizou eventos transmitidos ao vivo com convidados como um representante do Centro de Ciências da Saúde de Oklahoma, o estado que ele representa na Câmara.

Sem interesse

Mas até que a expansão do vírus desacelere, é provável que haja pequeno interesse na corrida presidencial e menos ainda nas eleições estaduais e locais.

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O deputado Sean Casten, de Illinois, resolveu focar em seus eleitores com mais de 60 anos. Ao invés de perguntar sobre expectativas políticas ou ressaltar seus feitos, os voluntários perguntam se eles precisam de “informações de saúde e segurança”, oferecendo ainda uma lista de mercados que abrem apenas para idosos em determinados horários.

— Ninguém quer falar sobre minhas ideias ou sobre o sistema de créditos de carbono — afirmou Casten, que era um executivo da área de energia renovável antes de ser eleito em 2018.

A história dos EUA é cheia de eleições presidenciais ocorridas em tempos de guerra e instabilidade, mas há poucos precedentes de uma campanha se desenrolando diante de um cenário de medo generalizado no país.

A comparação mais próxima pode ser com a eleição municipal de Nova York, em 2001, quando os ataques terroristas de 11 de setembro colocaram sombra sobre votação local. Na política presidencial, a guerra do Vietnã, assassinatos e lutas pelos direitos civis moldaram a campanha de 1968 e parecerem revelar um país prestes a se dividir.

Mas historiadores acreditam que a comparação mais próxima seja com a última vez em que toda a nação estava sendo consumida por apenas um assunto, em 1944, quando a ameaça da Alemanha nazista e de um Japão imperial mobilizou os cidadãos americanos em torno do esforço de guerra.

— Foi a última vez que houve esse tipo de quebra de nossas vidas cotidianas e mudança nos rituais —afirma Doris Kearns Goodwin, especialista em política presidencial, ressaltando que milhões foram gastos em armas e aqueles que ficaram em casa viveram com bens racionados — Mas ao menos as pessoas podiam ir trabalhar, como parte do esforço para vencer a guerra.

Líder de guerra

Percebendo uma oportunidade, Trump tentou parecer um líder de tempos de guerra em suas entrevistas coletivas diárias transmitidas pela TV. Isso lhe deu uma ajuda nas pesquisas, com seus números de aprovação se aproximando dos 50%, com independentes e alguns democratas lhe dando apoio, enquanto Biden, provável candidato democrata, está sendo ofuscado pelo presidente e até pelo governador de Nova York, Andrew Cuomo, colega de partido.

— É um momento de definição — diz Henry Barbour, integrante do Comitê Nacional Republicano, falando sobre Trump. — Quanto mais ele fala com os americanos, lhes dá os fatos e entrega resultados, mais difícil fica para Joe Biden.

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Uma eleição que se vira inteiramente para a resposta às crises de saúde e na economia pode também fazer com que algumas marcas tradicionais da campanha se tornem pouco importantes — isso se saírem do papel.

Enquanto Trump insiste que a sua convenção vai acontecer em Charlotte, na Carolina do Norte, em agosto, ainda resta saber se o governador democrata do estado, Roy Cooper, vai permitir uma concentração de pessoas tão grande em sua cidade mais populosa.

Representantes dos democratas estão ainda mais céticos.

Centenas de convenções locais e estaduais foram canceladas ou estão sendo realizadas por correio, telefone ou pela internet. Há conversas entre alguns democratas sobre realizar a convenção nacional pela internet ou pelo correio, com a possibilidade de realizar apenas um evento para a TV, replicando um modelo usado em cerimônias de premiações.

— O Comitê Nacional Democrata vai ter que começar a considerar que essa convenção precisará ocorrer de outras maneiras — afirmou Ken Martin, líder do partido em Minnesota e que também é presidente de uma organização de líderes democratas nos estados.

Por enquanto, a oposição está usando uma série de anúncios para tentar lembrar aos eleitores do desdém inicial do presidente diante do vírus, mas está sendo difícil redirecionar a atenção da ameaça do momento.

Alguns no partido, contudo, acreditam que o presidente vai ser responsabilizado pela resposta lenta e pelos danos à economia, além de sofrer sob a nova luz que a crise vai jogar sobre os temas domésticos no outono no hemisfério Norte.

Mantendo as aparências

Mas a maior questão para Trump pode ser se ele conseguirá manter a aparência de um líder de tempos de guerra capaz de pedir aos americanos que se sacrifiquem. O presidente já mostrou uma impaciência que pode atrapalhar suas chances de reeleição, atacando governadores, se recusando a aceitar qualquer responsabilidade pela crise e sugerindo aos americanos que retornem à sua vida comum, algo que especialistas dizem que pode ajudar na expansão da doença. Mas o próprio republicano parece ter visto que essa ideia não é um caminho a se seguir: neste domingo, ele reconheceu que a abertura do país até a Páscoa, como ele repetiu nos últimos dias, não será possível, e acabou estendendo as medidas de restrição.

Seu ritmo de arrecadação segue a todo vapor, mas líderes republicanos reconhecem que está sendo mais difícil levantar dinheiro sem os eventos com o presidente no palco. E esse esforço para conseguir doações ficou ainda mais difícil para os outros candidatos, que recorrem aos eventos presenciais ao invés dos eleitores que doam pela internet. Corry Bliss, estrategista republicano, disse que ele espera que o volume de doações para candidatos a cargos federais estejam até 20% do que o esperado.

No Missouri, Nicole Galloway, auditora do estado e candidata democrata ao governo estadual, realizou uma "happy hour virtual" com alguns convidados, por teleconferência. E ela não é a única candidata criativa.

Na Geórgia, Lynne Homrich, uma republicana concorrendo para a Câmara, anunciou que sua campanha contrataria 20 pessoas que foram demitidas de negócios locais, aumentando sua equipe de campanha antes da sua primária de 19 de maio. Ex-executiva de uma rede de lojas de produtos para casa e construção, começou a olhar as dezenas de pessoas buscando emprego em sua campanha.

Hiral Tipirnemi, ex-médica de emergências concorrendo para o Congresso em Arizona, disse que ela gasta mais tempo explicando os detalhes da pandemia do que pedindo o voto dos seus eleitores.

— Eles têm perguntas médicas. É uma época assustadora, e faço o possível para aliviar alguns desses medos, é uma responsabilidade moral.

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