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Carta a Regina Duarte, a noivinha do Brasil

Postado às 07h43 | 24 Jan 2020

Ruth Aquino

Prezada Regina Duarte, não se case com Jair Bolsonaro. Aceite a pasta da Cultura, com letra maiúscula e autonomia, mas não se torne esposa, porque o marido exigirá obediência cega e surda até que a morte os separe. Ele já provou que não é “um cara doce”. Doce é você. Por seu talento e pelos sorrisos abertos que distribui, o Brasil caiu de amores há décadas. Não importa agora que você seja conservadora. Importa que seja humana e sensata. Não coloque a religião à frente de suas decisões. Não seja desagradável ou preconceituosa. 

O preconceito e a patrulha não são privilégio da direita ou da esquerda. “Em 2002 (na primeira eleição de Lula), fui chamada de terrorista e hoje sou chamada de fascista, olha que intolerância”, disse em Conversa com Bial. “E eu achando que vivia em uma democracia, onde eu tenho o direito de pensar de acordo com o que eu quero. Eu respeito todo mundo que pensa diferente de mim. Não saio xingando as pessoas por aí”.

Não xingar já é um tremendo avanço. Regina, você tem um legado artístico a proteger. A Cultura brasileira está órfã. Pior: no governo Bolsonaro, tornou-se uma filha enjeitada, uma inconveniente, uma borralheira, aquela que leva pontapés e ouve grosserias. Cultura engloba artes plásticas, cinema, teatro, balé, literatura, música. Quando um presidente manda uma repórter calar a boca, ou veta e persegue artistas em nome de Deus e de ideologias, negando-se até a entregar prêmios internacionais, isso não é ser censor. É ser estúpido. Você jamais se comportaria assim. Não se oporia a entregar o prêmio Camões a Chico Buarque. Acho que se sentiria honrada. Arte acima de tudo.

O Brasil só espera que você valorize nossa cultura em tudo que já encanta o mundo. A criatividade, a inventividade, a originalidade, a mestiçagem. Você fez isso inúmeras vezes como atriz de novelas, foi vista e admirada em outros países, como virgem ou prostituta. Foi feminista na série Malu Mulher, de 1980, discutindo temas tabus, embora não se diga feminista na vida real. Você vivia uma situação exatamente igual à da personagem. "Tinha acabado de me separar e estava assustada, machucada, com dois filhos para criar e não mais sob tutela do meu pai. Fazer o seriado me fortaleceu, foi terapêutico”.

Você cumpriu o papel de si mesma, como mãe e avó. Um marido autoritário e ciumento de seu carisma é tudo aquilo de que você não precisa, agora que completa 73 anos em fevereiro como uma mulher independente. Na ditadura militar, você brigou. “Eu corri de cavalos, me enfiei debaixo de porta para fugir da cavalaria, eu participei de palanques ao lado de Lula pelas Diretas Já, pela Anistia Ampla Geral e Irrestrita, Revolução dos Cravos...” Regina sempre assumiu ter medo de Lula. Tem direito de pensar assim. Em entrevista em 2018, disse que “Bolsonaro é fruto do país, é resultado dos erros monstruosos do PT e da falta de mea-culpa”.

Cuidado com as armadilhas. Após o compromisso selado, há o risco de desrespeitos privados e públicos, assédio moral, palavrões, exigências que coloquem suas convicções éticas em xeque. Ao cortejá-la, o noivo se comporta de maneira graciosa. É questão de honra para Bolsonaro que você aceite. Procure saber se poderá destituir os desclassificados nomeados por Alvim. Não troque alianças, da direita para a esquerda. Ou vice-versa. Regina, esqueça os anéis, fique com os dedos.

 

 

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