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Bolsonaro flerta com "saída de força", mas tática lembra mais Jânio Quadros

Postado às 06h11 | 03 Abr 2020

Igor Gielow

Em sua "live" transformada em entrevista à rádio Jovem Pan, o presidente Jair Bolsonaro voltou a flertar com saídas de força para lidar com a crise do coronavírus, contrariando todos os conselhos de apaziguamento que vem recebendo do entorno palaciano.

Disse que tem um "decreto pronto" para liberar o comércio nas cidades ora com restrições e disse que há "gente poderosa" que o quer ver afastado da Presidência. “Um presidente pode muito, mas não pode tudo. Só posso tomar certas decisões com o povo ao meu lado”, disse, pedindo que a população o apoie.

A frase repercutiu mal entre membros destacados do Judiciário e do Congresso, ainda digerindo a novela acerca da necessidade de uma mudança constitucional para pagar auxílio de R$ 600 aos mais desfavorecidos sob impacto econômico da crise sanitária.

Bolsonaro aposta que poderia ser um Viktor Orbán tropical, mas lhe faltam instrumentos para tal. O premiê húngaro, aliás aliado ideológico do brasileiro, primeiro conquistou o poder político no Legislativo e depois assaltou a Justiça, desmembrando competências.

Foi um trabalho iniciado em 2010, quando assumiu. Só agora, com a crise, conseguiu fazer passar um pacote de plenos poderes para governar por decreto, e ainda tem a Europa toda em seu pé para fazê-lo voltar atrás. Bolsonaro não conta com tal arcabouço.

O apelo ao "povo" lembra outro episódio, de 1961, quando o presidente Jânio Quadros fez uma atabalhoada tentativa de autogolpe que, sem apoio, redundou em renúncia. Sobraram as "forças terríveis", nunca nomeadas, que ecoam agora na "gente poderosa" em Brasília.

O arco narrativo do bolsonarismo sempre previu esse embate. Ele foi eleito, afinal, prometendo "quebrar o sistema". Admite, contudo, que não terá vida fácil na tentativa, vide a ação do Supremo e do Congresso barrando suas tentativas dos últimos dias.

Para alguns observadores, essa admissão pode constituir uma solução em si se levada às últimas consequências. Não talvez a que Bolsonaro e seus apoiadores mais ferozes desejem, naturalmente.

De resto, segue a sessão de humilhação pública do ministro Luiz Henrique Mandetta (Saúde), mas a esta altura não é exatamente uma novidade, dado que ao presidente não parece haver a opção da demissão dele no meio de uma emergência.

 

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