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Artigo: Não importa saber o candidato do Partido Democrata na eleição de novembro

Postado às 04h25 | 04 Fev 2020

Globo

Neste momento, a indicação do nome do Partido Democrata para a disputa presidencial está em aberto. Não apenas sobre quem vai concorrer em novembro: ainda não é possível dizer se o indicado será um centrista como o ex-vice-presidente Joe Biden ou a senadora Amy Klobuchar, ou alguém da ala mais à esquerda, como o senador Bernie Sanders ou a também senadora Elizabeth Warren. Quem quer que vença, haverá lamentos e ranger dos dentes no outro lado.

Então gostaria de oferecer uma opinião que provavelmente irá enfurecer a todos: em termos de políticas, não importa muito quem será a indicada ou indicado do partido — desde que ele ou ela vença nas urnas e os democratas conquistem também o Senado.

Se você é um centrista preocupado com o aumento gigantesco de gastos proposto por Sanders, se acalme, eles não vão acontecer. Se você é um progressista preocupado com a possibilidade de Biden governar como um republicano, também deve se acalmar, porque ele não fará isso.

Na prática, qualquer democrata provavelmente vai defender o aumento dos impostos sobre fortunas e uma significativa, porém não extensa, expansão da rede de seguridade social. No caso de vitória do partido, uma versão ampliada do Obamacare certamente vai sair do papel; Medicare (programa de saúde para pessoas de baixa renda) para Todos, talvez não. O retorno dos democratas ao poder será marcado pela proteção e expansão da Previdência Social e do Medicare; cortes ao estilo do republicano Paul Ryan estão fora de cogitação.

Por que digo isso? Vamos considerar as lições dos três primeiros anos de Donald Trump.

Em 2016, Trump levou adiante propostas um pouco diferentes, prometendo que, ao contrário de outros candidatos, não cortaria programas sociais nem reduziria impostos dos mais ricos. Mas era tudo mentira. Além de sua guerra comercial, as políticas econômicas de Trump foram de uma ortodoxia típica da direita: grandes descontos fiscais para as corporações e ricos, tentativas de retirar o acesso à saúde de milhões de americanos. Nos últimos tempos, não descartou cortes na Previdência Social e no Medicare.

O ponto é que, apesar de ter submetido seu partido a uma humilhante subserviência pessoal, ele não provocou mudanças significativas em suas prioridades.

Agora, o Partido Democrata é muito diferente do Republicano — é uma frágil coalizão de grupos de interesses, não é uma entidade monolítica respondendo a alguns bilionários aliados a nacionalistas brancos. E é isso que torna muito difícil a tarefa de um presidente democrata para levar seu partido para longe do centro político de gravidade da sigla, que hoje pode ser chamado de “progressista moderado”.

Ainda é bem difícil ver quem terminará na frente nas primárias, mas dá para imaginar o que aconteceria se um dos dois favoritos, Bernie Sanders e Joe Biden, se tornassem presidentes — e conseguissem ajudar a eleger um Senado democrata, até porque nada acontecerá se esse cenário não sair do papel.

Sanders tem uma agenda muito ambiciosa; Medicare para Todos é apenas uma parte dela. Pagar por isso seria difícil — não, a Teoria Monetária Moderna não ajudaria a eliminar as restrições fiscais. Para transformar a visão de Sanders em realidade seriam necessários grandes aumentos de impostos, não apenas para os ricos, mas para a classe média; sem esses aumentos os planos de Sanders poderiam levar a mais inflação.

Mas não se preocupe: isso não vai acontecer. Mesmo que chegue à Casa Branca, Sanders teria que lidar com um Congresso (e um público) consideravelmente menos radical que ele, sendo obrigado a aceitar uma linha progressista mais modesta.

Teste em 2018

É verdade que os partidários de Sanders acreditam que ele pode trazer para o seu lado uma maioria oculta de americanos, que defenderia com ele uma agenda populista agressiva, forçando o Congresso a ir na mesma direção. Mas tivemos um teste nas eleições legislativas de 2018: os progressistas lançaram uma série de candidatos em distritos pró-Trump, e mesmo que apenas um deles tivesse vencido já seria motivo para celebrar. Mas nenhum dos nomes na disputa obteve sucesso: a ampla vitória democrata veio de moderados com campanhas e candidaturas convencionais.

A conclusão mais comum a respeita dessa derrota dos progressistas é a que levanta questões sobre a capacidade de Sanders se eleger. Mas há outra implicação bem diferente: os moderados preocupados com uma Presidência radical devem se acalmar. Um presidente Sanders não seria especialmente radical na prática.

E sobre Joe Biden? A campanha de Sanders afirma que Biden endossou os planos do republicano Paul Ryan para cortes profundos na Previdência e no Medicare, uma acusação falsa. A verdade é que, no passado, Biden foi considerado um “nome de respeito” pela elite centrista de Washington ao defender “ajustes” — eufemismo para cortes ao menos modestos — na Previdência (na verdade, se olharmos para trás, Sanders disse coisas bem parecidas).

Mas o Partido Democrata como um todo se moveu à esquerda nesses temas, e Biden seguiu no mesmo rumo. Mesmo que deseje um grande acordo com os republicanos, o que eu acho improvável, ele enfrentaria críticas internas que o obrigariam a recuar.

Em termos de políticas públicas, o que acho que acontecerá se Sanders vencer: teremos uma significativa mas não gigantesca expansão da rede de segurança social, financiada pelos novos e significativos impostos para os ricos.

Por outro lado, se Biden vencer, teremos uma significativa mas não gigantesca expansão da rede de segurança social, financiada pelos novos e significativos impostos para os ricos.

Uma implicação, se estou correto, é que a elegibilidade deverá ter um papel muito importante em suas preferências atuais. Importa demais se um democrata vai vencer, importa bem menos saber qual democrata vencerá.

Meu ponto principal aqui é que os democratas precisam se unir, de forma entusiasmada, em torno de quem quer que seja indicado. Qualquer moderado que esteja tentado a se tornar um “Bernie nunca” deve saber que, mesmo que ache Sanders muito radical, suas políticas serão moderadas. Qualquer partidário de Sanders inclinado a adotar a ideia “Bernie ou nada” deve pensar que alguns dos nomes “centristas” no partido são bem progressistas, e há um enorme abismo entre eles e o Partido Republicano de Trump.

Ah, e todos os democratas acreditam na democracia e no Estado de Direito, algo meio importante nestes dias.

 

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