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Análise do “blog” sobre a proposta de Reforma da Previdência Social do governo

Postado às 05h53 | 24 Fev 2019

Do editor

Foi publicada a versão oficial da Reforma da Previdência pretendida pelo governo.

Leia a íntegra do projeto.  

Um ponto deve ser esclarecido, antes de qualquer análise.

Trata-se de uma Reforma absolutamente necessária ao país.

Não há como negar que o mundo evoluiu e os sistemas previdenciários para sobreviverem terão quer ser modernizados, sobretudo o brasileiro.

Logo, em nenhum momento desta análise, o autor do artigo se insurge contra a Reforma.

A grande questão é como fazê-la: se optando, por uma “rua de mão única”, em que somente alguns “paguem o pato, no final das contas”.

Ou, dividindo sacrifícios entre as várias categorias sociais, sobretudo os prestadores de serviço (privados e públicos) e empresas.

O déficit previdenciário existe e conspira contra o equilíbrio das contas públicas.

Impossível negar tais evidências. Isso não invalida a formulação de algumas observações.

Não se pode de negar a existência de pontos positivos na proposta.

Porém, soa falso esbravejar, que a alternativa encaminhada ao Congresso é para o “bem do Brasil” e quem se opuser a ela (mesmo em parte) seria contra o país.

Por outro lado, também soa falsa a colocação no texto de “iscas sociais”, com o único objetivo de “capitalizar” o discurso populista contra privilégios e assim alcançar Ibope elevado.

Está claríssimo que a reforma sugerida atende aos interesses do "mercado", no sentido de enfraquecer as funções do Estado, pela "demonização" do serviço público e evitar possibilidades de "mexer" no sistema tributário, e/ou redução de  privilégios,  traduzidos em subsídios, favorecimentos  e isenções , sem comprovação de retorno social..

A proposição oficial  atende integralmente  aqueles que tenham  a vocação do lucro, do empreendedorismo. Todavia, na sociedade existem  os que exercem atividades não voltadas para o lucro, que constituem maioria.

O cidadão vocacionado, por exemplo, para o serviço público (indispensável num Estado democrático) estará nivelado por baixo. Almejar um bom rendimento no exercício de cargo público é considerado “privilégio” e penalizado violentamente, com o aumento da contribuição e redução drástica do valor do teto.

A elevação da idade mínima seria perfeitramente palátavel, por razões óbvias do aumento na expectativa de vida. 

Note-se que os trabalhadores do setor público, que poderão receber aposentadoria mais que o teto do INSS, as alíquotas continuarão aumentando até chegarem a 22% do que exceder R$ 39 mil mensais.

Por exemplo: um servidor público  que recebe R$ 30 mil pagará 16,11%, co que é aumento considerável.

Some-se a isso o fato de que esse servidor já paga de Imposto de Renda e outros encargos.

Claro que nada sobrará para a chamada “capitalização” em fundos privados (algo inaceitável), que será anunciada em nova proposta de projeto de lei.

Acerca dessa “capitalização”, o governo governo antecipou o anúncio,  de que a “garantia” do Tesouro cobrirá apenas o valor equivalente ao “salário mínimo”.

Quer dizer: todos aqueles que aderirem à capitalização contribuirão para  “fundos privados” (Bancos serão fortalecidos)  e ficarão à mercê dos tradicionais “trambiques”, que pontuaram no passado, infelizmente, a realidade brasileira nessa área.

No Chile esse sistema de capitalização, faliu. O país está em grave crise, provocando convulsões sociais.

O Professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade de Chile, Andras Uthoff, Conselheiro Regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seminário no Brasil ,declarou que “boa parte da população não está em condição de capitalizar, e a previdência deve proteger essa parcela da sociedade.

“O que estamos notando no mundo inteiro é que o mercado de trabalho não se formaliza”, citando fatores como robotização, automação e empreendedorismo, que afastam enormes contingentes do trabalho formal e, consequentemente, da capacidade de poupar.

Por isso, sugere o professor chileno, que  o Governo deve garantir o valor total capitalizado pelo cidadão e não apenas o salário mínimo, nos casos de insolvência desses fundos de capitalização.. Afinal,  cabe ao governo  a competência de severa fiscalização, o que é impossível ser feito pelo mercado, e/ou pelo cidadão, que aplica no fiundo.

O resumo da ópera é que a “classe média” corre o risco de ser violentamente atingida, se mantida a proposta originária.

A reforma considera, em tese,  dois segmentos na pirâmide social do pais: baixa renda e alta renda (essa sim, beneficiária e não atingida em absolutamente nada).

Mesmo assim, a baixa renda, igualmente à classe média, também “paga o pato”, por exemplo, no Benefício de Prestação Continuada.

A medida sugerida é o adiamento da idade para que ter acesso ao benefício completo. Atualmente, idosos a partir de 65 anos podem requerer um salário mínimo. Com a reforma, só a partir de 70 anos é que o valor poderia ser recebido.

O nordeste será atingido em cheio por essa restrição, pelo contingente de pobreza na região. Há estados nordestinos, onde a expectativa de vida é de 67 anos.

Por outro lado, o governo concederia um benefício menor para pessoas, a partir de 60 anos.

Quem tem entre 60 e 69 anos e comprovar as condições para ter direito ao benefício receberia R$ 400.

O valor é fixo, não seria vinculado ao salário mínimo ou corrigido pela inflação.

Atualmente, trabalhadores que recebem até dois salários mínimos tem direito a um abono de um salário mínimo por ano.

A proposta é reduzir os beneficiários e pagar o abono apenas a quem tem renda de até um salário mínimo.

Outro ponto importante: na verdade é ilusória a bombástica afirmação, de  que a alíquota foi reduzida (7.5%) para os trabalhadores assalariados mais pobres.

A verdade é a seguinte: atualmente, os contribuintes da iniciativa privada pagam alíquotas fixas de 8%, 9% ou 11% sobre o rendimento, a depender da faixa salarial.

Pela mudança, cada trabalhador passará a contribuir com uma alíquota efetiva que corresponde exatamente a seu salário.

A contribuição terá uma progressão gradativa dentro de cada faixa salarial.

Sobre um salário mínimo serão recolhidos 7,5%. Entre R$ 998,01 e R$ 2.000,00, a taxa será graduada entre 7,5% e 8,25%. Entre 2.000,01 e 3.000,00, a alíquota irá variar de 8,25% a 9,5%.

No caso dos salários de R$ 3.000,00 a R$ 5.839,45 (teto do INSS), oscilará entre 9,5% e 11,68%.

Observa-se que realisticamente a alíquota aumentou, já que não se pode consagrar o princípio de que o trabalhador estacione na remuneração de um salário mínimo.

Não se faz política pública com essa ótica canhestra.

Por justiça, o texto tem uma boa linguagem técnica.

Todavia, é como um iceberg (grande massa de gelo que se desprende de plataforma de gelo e que vaga, à deriva, nos oceanos).

No “iceberg” o perigo está naquilo que está invisível, sustentando o que está na superfície.

Os técnicos dizem que nove décimos do iceberg estão submersos, ou seja, na superfície ninguém percebe a realidade do perigo.

No caso da proposta da Previdência, um bom percentual do que ela contém, “esconde” benefícios concedidos unicamente ao mercado e a sua lógica perversa.

Vale observar, que não é possível tratar de um problema econômico, como a reforma previdenciária,  sem considerar a inegável importância do mercado.

Seria ingênuo pensar assim e o autor do texto não raciocina dessa forma.

Todavia, nunca é demais lembrar o conselho do Papa Francisco aos estudantes de Lyon, França:

Tenham "a força e a coragem de não obedecer cegamente à mão invisível do mercado. Aprendam a se manterem livres do fascínio do dinheiro, do cativeiro em que o dinheiro encerra todos aqueles que lhe prestam culto”.

Certamente, os tecnocratas empedernidos indagarão: então, de onde virá o dinheiro para cobrir o déficit?

A resposta é que faltou à proposta da reforma previdenciária anunciar qual será a cota de sacrifício da economia privada, para ajudar a “fazer caixa” e reduzir o déficit previdenciário.

Ou, tudo continuará como “dantes no quartel de Abrantes”?

Para se ter uma ideia, o total de subsídios dados pela União em 2017 chegou a 354,7 bilhões, equivalente 5,4% do PIB, sem fiscalização do retorno social.

Esses “subsídios” - alguns permanentes - são receitas, que o governo deixa de ter e falta ao custeio da previdência, bancada, mês a mês, pelo bolso dos servidores, assalariados e empresas.

Não se justifica o critério da “mão única”, no qual o vilão-responsável sejam os trabalhadores, servidores públicos e beneficiários da previdência.

É necessário ir fundo na identificação das “causas” do déficit, que têm origem em vários fatores, sobretudo os “vazamentos”, de bilhões e bilhões de recursos públicos, decorrentes de “fraudes e privilégios”, historicamente “justificadas”,  sob variados pretextos, sem prestação de contas.

Note-se o "privilégio" (este sim) consagrado na Lei 9.249/1995,  que garante às pessoas físicas acionistas e sócios serem isentas do Imposto de Renda cobrado sobre lucros e dividendos. Entre os países da OCDE, somente o Brasil e a Estônia oferecem essa isenção à faixa mais rica da população.

A taxação de lucros e dividendos é fundamental para reverter a lógica desigual do sistema tributário brasileiro. Por meio dessa cobrança, o governo poderia equilibrar as contas públicas, sem ter que  penalizar tanto a classe média e os mais pobres.

Alega-se bitributação. Como, se o próprio código civil distingue a pessoa física da pessoa jurídica?

E os bilhões da Previdência, definidos na Constituição, que são desviados à luz do meio dia, através da DRU [Desvinculação das Receitas da União] para pagar juros da dívida pública?

Apesar de estar previsto na Constituição de 1988, o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) jamais foi regulamentado no Brasil.

Se a reforma tratasse desses “vazamentos” o “déficit” seria reduzido e o “sacrifício” melhor dividido.

Infelizmente, os assalariados, servidores públicos e beneficiários da previdência social estão convocados para “pagarem o pato” sozinhos.

Outras indagações e análises semelhantes serão feitas posteriormente.

Só resta a esperança da presença política lúcida do Congresso Nacional, sem radicalismo,  na votação e discussão dessa proposta oficial.

Impõe-se que o Brasil rejeite a ótica da “mão única”, no sentido de preservar valores nacionais e lutar pela justiça social.

Realmente, essa tarefa deverá sobrepor-se às ideologias e aos partidos. Para isso. o governo tem que dá o exemplo e sentar-se à mesa, dialogando.

Se o governo partir do pressuposto de que é “proprietário privado da verdade e das soluções nacionais”, não alcançará o seu objetivo, por mais boa fé que tenha. Poderá, inclusive, dá causa a grande instabilidade social e política no país.

O Presidente precisa ser esclarecido, sobretudo porque a sua formação é inegavelmente de visão social, para conter excessos.

É indispensável esse aconselhamento,ao lado do Presidente. Significará a luz que surge no final do túnel.

O único caminho que se espera para a implementação das mudanças necessárias ao Brasil será o da real “divisão de sacrifícios” entre as várias categorias sociais, o que não está contido na proposta em tramitação no Congresso Nacional.

Deus ajude e proteja o Brasil!

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