Notícias

A proposta de usar atiradores de elite para matar quem porta fuzil

Postado às 02h59 | 03 Nov 2018

André Cabette Fábio

Em uma das suas primeiras manifestações públicas após ser eleito governador pelo Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC) voltou a afirmar que planeja instar atiradores de elite a assassinar, à distância, pessoas que estiverem portando fuzis. Em vários momentos de sua campanha, ele já vinha fazendo a mesma promessa, usando o termo “abate” para se referir aos homicídios.

A fala ocorreu no dia 30 de outubro, durante entrevista para o canal GloboNews. Ele defendeu que atiradores de elite matem qualquer pessoa segurando um fuzil, mesmo se estiver de costas e se a arma não estiver sendo utilizada no momento contra o policial ou outra pessoa, e afirmou que pediu um levantamento do efetivo de profissionais com essa formação presentes na Polícia Militar.

Independentemente da legalidade, viabilidade ou encaminhamento formal da proposta, a polêmica em torno dela garantiu ao governador visibilidade nas redes sociais e espaço em veículos de imprensa do Rio de Janeiro e mesmo de outras partes do país. Ela serviu para associar sua imagem à defesa do uso da execução como parte da política de segurança pública. A Anistia Internacional está entre as entidades que afirmaram que a proposta fere a legislação brasileira e internacional.

Em sua entrevista à GloboNews, Witzel afirmou que pretende investir em defesa jurídica para os policiais, caso eles sejam processados. Na mesma entrevista, o governador eleito afirmou também que pretende pedir ao presidente eleito a prorrogação da intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro por um período de 10 meses.

Treinados pela Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil e pelo Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar, os atiradores de elite são, atualmente, utilizados como último recurso, e com pouca frequência. Eles podem ser empregados, por exemplo, para assassinar pessoas que fizerem reféns quando a polícia avaliar que a vida destes está sob risco.

Segundo informações do jornal O Globo, a última ocasião em que isso ocorreu no Rio de Janeiro foi em setembro de 2009, quando um homem foi morto por um atirador de elite após render a dona de uma loja, usá-la como escudo e ameaçá-la com uma granada.

O que diz a lei sobre uso da força

Em entrevista ao Nexo, o coronel reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro Robson Rodrigues da Silva avalia que não há base legal para a medida aventada por Witzel.

Rodrigues é mestre em Antropologia pela UFF (Universidade Federal Fluminense) e foi comandante das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) durante seus primeiros anos de implementação, a partir de 2008. Entre 2015 e 2016, foi chefe do Estado-Maior da Polícia Militar do Rio.

Ele afirma que o Código Penal não traz elementos que justifiquem o assassinato de pessoas portando armas em casos em que não estiverem ameaçando diretamente os policiais ou a outros.

Ele avalia que policiais que seguirem sua orientação podem vir a sofrer sanções legais. “No fim, a responsabilidade cabe a quem está com o dedo no gatilho e àquele que incita [o crime].”

Em dois pontos o Código Penal estabelece que pessoas — independentemente de serem forças de segurança ou não — que cometem crimes podem se beneficiar do “excludente de ilicitude” caso esses crimes tenham sido cometidos para proteger a si mesmos ou a outros. Isso pode se aplicar também, mas não apenas, à violência letal.

Estado de necessidade

Quando um ato que, de outra forma, seria ilegal, é realizado para “salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio”. Ou seja, em casos em que a violência serve para proteger a si ou a outros.

Segundo Rodrigues, “um exemplo clássico de estado de necessidade é aquele em que, para sobreviver a um naufrágio, a pessoa sacrifica a vida de alguém para salvar a sua, tomando-lhe o bote salva-vidas, por exemplo. Profissionais cuja profissão é enfrentar o risco de vida, como bombeiros e policiais, não se enquadram nesse dispositivo”.

Legítima defesa

É aplicada quando uma agressão injusta “atual ou iminente” a si mesmo ou a outra pessoa é evitada “usando moderadamente dos meios necessários”.

Em sua entrevista à GloboNews, Witzel acena a favor de uma interpretação ampla desse conceito, afirmando que se alguém com fuzil “não for abatido vai usar o fuzil para acertar quem quer que esteja na frente”. Ou seja, matar essa pessoa significaria a legítima defesa de outras.

Rodrigues avalia, no entanto, essa interpretação como errônea. “É necessário haver ameaça real e iminente de [violência letal] acontecer. Tanto que o Código Penal não fala de ‘legítimo abate’, ele fala em ‘legítima defesa’. Ele pode entender diferente, mas a maioria dos juízes não entendem isso [o assassinato por um franco atirador] como legítima defesa.”

Dever legal

A “exclusão de ilicitude” também ocorre quando uma ação que poderia ser considerada criminosa ocorrer “em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito”. Na avaliação de Rodrigues, o dever do qual o policial não pode se furtar é “prender, caso alguém esteja cometendo um crime”, e não matar, a não ser que haja risco imediato à integridade física de si ou de outros.

No dia 31 de outubro de 2018, o ministro da Segurança Pública Raul Jungmann também afirmou que a proposta de Witzel é ilegal.

“É uma proposta que precisa passar pelo crivo das leis e da Justiça. Não podemos ter nenhum tipo de atividade que não seja devidamente legal. Hoje, não está. Teria que ter modificação legislativa para que viesse a acontecer” Raul Jungmann Ministro da Segurança-Pública

A proposta, sob um ponto de vista técnico

Rodrigues avalia também que a proposta precisa ser analisada antevendo quais seriam os resultados do uso de franco atiradores. Em sua opinião, é possível que o uso da técnica leve a uma escalada da violência, que prejudicaria pessoas não diretamente envolvidas no conflito.

“Para ter visão privilegiada, a pessoa contratada [como franco atirador] vai ter que estar em prédios e morros mais altos. Em um desespero, os criminosos podem retaliar, dar tiros a esmo para onde eles imaginam que estão os atiradores. É um risco à população que tem que ser avaliado e é responsabilidade do governo se preparar para uma possível reação. Nunca vi soluções como essas serem efetivas, podemos ter conflitos mais sérios” Robson Rodrigues Coronel reformado da Polícia Militar do Rio de Janeiro

Deixe sua Opinião